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Angel
Aos dezoito anos de idade fui aceita na Universidade de Houston, no Texas, através de uma bolsa integral de estudos. Uma futura médica na família foi motivo de grande orgulho para todos, principalmente para o meu pai, Miguel. Ele pregou por meses minha carta de aceitação na porta da geladeira, exibindo-a para qualquer pessoa que chegasse em nossa casa.
Toda manhã, quando entrava na cozinha para o café, ele olhava para ela e sorria como se fosse um cheque assinado de muitos zeros à direita. Lembro-me de que no dia em que recebi a tão esperada correspondência, ele passou horas ao telefone contando a todos que conhecia, que sua garotinha estava indo para a faculdade.
Ele sempre foi um homem simples, mas dono de grandes sonhos. O maior deles era que sua única filha pudesse ser alguém na vida com um diploma na mão. O segundo, ele realizou há seis anos quando finalmente tirou o projeto do papel e abriu sua própria oficina de restauração de carros antigos.
Mas, às vezes, a alegria tem prazo de validade. Seu negócio não se encaminhava bem nos últimos meses. Dívidas e mais dívidas se acumulavam desde que descobrimos que minha mãe, Emma, estava doente. Ela era a melhor mãe, esposa, filha e amiga que alguém poderia ter o prazer de conhecer.
Ele se dividia entre o trabalho e o hospital, mas era complicado fazer isso com a ajuda de poucos e comigo estando tão longe de casa nove meses por ano. Ainda assim dizia não se cansar e nem se importar de fazer sacrifícios por ela, afinal, juraram se amar até que a morte os separasse, mas eu sabia o quanto era difícil para ele.
Quando criança, sempre admirei o carinho de ambos, um com o outro. Apesar das dificuldades que enfrentaram juntos, o amor deles ainda era único e lindo. Sempre pensei que um dia teria com alguém o que eles tinham como casal e como uma família, mas não foi bem assim que começou para mim.
Minha vida amorosa se iniciou com Finn: meu primeiro namorado, paixão e primeira transa. Pensava que virgindade era algo lindo e delicado, que devia ser dada a quem provou lhe amar, ou, pelo menos, a quem você acreditou que te amava.
Nós nos conhecemos na festa de boas-vindas da universidade, na primeira semana de aula. Ele sorriu para mim com aqueles dentes brancos e perfeitos e eu correspondi, é claro! Quem não corresponderia àquele sorriso tão sedutor?
Uma hora depois, eu estava deitada em uma cama desconhecida e sob ele. Quando o clima esquentou, tive que lhe dizer que era virgem e que não estava preparada para ter relações, ainda mais em uma festa e na cama de uma pessoa qualquer. Ele disse achar aquilo lindo e prometeu que faria por merecê-la. Eu sorri boba, inocente e quase apaixonada.
Finn encheu meus ouvidos com coisas que qualquer garota tola gostaria de ouvir: "Isso é incrível!", "Você é maravilhosa!", "Você se respeita!", "Mulheres como você são especiais", e eu acreditei.
Um mês se passou desde aquela festa e eu tinha um namorado lindo que preparava a noite perfeita a qual eu daria a ele o que ambos desejávamos. Minha primeira noite aconteceu e foi tudo romântico e perfeito. Finn nos levou para um fim de semana fora da cidade em uma cabana nas montanhas. Tivemos um jantar à luz de velas, banhos quentes na hidromassagem e sexo gostoso por três dias, a maior parte do tempo.
Quando completamos nove meses de namoro, nós éramos felizes e realizados, achava que tinha encontrado a pessoa certa para a minha vida, com quem me casaria depois da formatura.
Foi na mesma festa em que meu caminho se cruzou com o dele, que conheci a Skyler: a garota que se tornou minha mais nova melhor amiga e confidente. Ela se aproximou elogiando meu vestido e elogiei seus sapatos. Conversamos, bebemos algumas cervejas e ela apresentou-me a algumas pessoas. Skyler era o tipo de amiga que se metia em confusões por você e que, quando fazia algo idiota, ela não temia em me dizer. Ela completava minha felicidade longe de casa.
Mas a bolha mágica cor-de-rosa da felicidade em que eu vivi por nove meses, estourou-se quando meu pai deixou uma mensagem de três minutos na caixa de mensagens que mudou meu mundo. Era a triste notícia de que minha mãe estava com câncer de mama, no estágio dois. Naquele mesmo dia, eu voltei para casa uma semana mais cedo do programado, preparada para enfrentar o diagnóstico junto aos meus pais.
Estive ao seu lado durante a recuperação de uma mastectomia total e todas as sessões de radioterapia e quimioterapia que aconteceram durante minhas férias de verão. Meu pai fez um ótimo plano de saúde, que dava a ela um tratamento rápido e com máximo de conforto. Eu sabia que isso não sairia barato e que estava além de nossos bolsos, mas não podíamos medir esforços para minha mãe.
Quando as férias acabaram, voltei para a universidade no início de setembro com a boa notícia de que ela estava, enfim, indo de encontro à cura.
Com meu pai endividado, ele não poderia mais me ajudar a me manter na faculdade. Fiz alguns esforços e abri mão da minha grade curricular de matérias para trabalhar à noite. Foi difícil acostumar com a nova rotina, mas estava dando tudo certo.
Pelas manhãs, eu frequentava as aulas. No período da tarde estudava na biblioteca do campus com meu grupo de estudos; e à noite, trabalhava como garçonete no Roger's, um bar local perto da universidade. O salário não era ruim, mas o horário era cansativo. No entanto, as gorjetas compensavam, ainda mais em noites de show.
Nove meses depois, quando menos percebi, as férias se aproximavam novamente. A rotina apertada só piorava. As aulas na faculdade ficaram cada vez mais difíceis e tomando mais do tempo que eu não tinha. No trabalho, comecei a trabalhar até mesmo nos feriados para evitar de precisar da ajuda dos meus pais ao máximo. Os fins de semana que eu não trabalhava, estava os visitando ou estudando para os exames e testes. Quase já não tinha mais tempo para namorar.
Não era que eu colocasse Finn em segundo plano, só não podia mais dar toda a atenção que ele queria, ou tinha de mim antes. Eu sei o quanto era chato ele estar com todos os nossos amigos no bar em uma sexta à noite, quando cada um deles estavam bebendo e se divertindo com suas namoradas, enquanto ele estava só e eu os servindo. Mas ainda assim, isso não era motivo para que ele me magoasse ou me traísse na minha própria cama.
Houve uma sexta em que eu esqueci de levar meus documentos para que Roger renovasse meu contrato de trabalho por mais nove meses.
- Não dá mais para me enrolar, Angel. Aproveite que a banda ainda arruma o palco e vá buscar seus documentos. Vamos abrir em trinta minutos! - disse ele.
- Tudo bem. Eu vou e volto rápido - respondi antes de sair do seu escritório.
Quando cheguei ao estacionamento encontrei Dick, nosso barman, chegando para mais um turno.
- Dick? - chamei-o ao me aproximar.
- E aí, gatinha? - perguntou todo sorridente.
- Pode me emprestar seu carro? Tenho que ir até à fraternidade e voltar em meia hora - pedi com um sorriso sem graça.
- Claro! - concordou jogando-me a chave do seu carro, e piscou.
Dirigi até o campus e entrei na casa onde morava com mais quatorze garotas. Subi os dois lances da escada que levavam ao segundo andar e no momento em que coloquei meus pés no corredor, já pude ouvir gemidos e todos os chamados exasperados.
- Finn! Por favor... me foda com força! - implorou a voz ofegante entre gemidos.
- Finn? - repeti sussurrando o nome que eu havia acabado de escutar.
A cada passo no corredor, os gemidos ficavam cada vez mais altos. Segui o som que me levou até à porta do meu quarto e, antes de abri-la, finalmente reconheci a voz que gritava descontroladamente. Era da Elena, minha colega de quarto.
Abri a porta lentamente e entrei parando no batente da mesma. Eu não podia acreditar no que via. Senti as paredes a minha volta girarem e meu estômago embrulhar. Eles continuaram por mais alguns segundos, talvez por um minuto, até que notaram minha presença.
Elena foi a primeira. Ela gritou espantada empurrando Finn de cima dela e tentando se cobrir com os lençóis amassados e suados. Já Finn, lBradtou-se pegando o travesseiro caído no chão e cobrindo seu pau com ele. Elena juntou seus joelhos aos seios e abraçou suas pernas enquanto chorava pedindo-me desculpas. Já Finn ficou com o rosto pálido e os olhos arregalados, encarando-me sem palavras. Esperei por ele dizer algo, mas nada saiu da sua boca entreaberta.
Dei minhas costas aos dois, mas antes que eu passasse pela porta, olhei para o lado e vi minha bolsa sobre a cômoda, lembrando-me do que eu havia ido fazer ali. Peguei-a e saí batendo a porta atrás de mim. Desci os degraus vagarosamente tentando digerir o que eu havia acabado de presenciar.
Quando cheguei na sala, escutei Finn gritar por mim no corredor. Apressei meus passos e passei correndo pela porta da frente, indo para o carro e entrando rápido dando partida no motor. Os dois saíram da casa descabelados e malvestidos, pedindo para que esperasse para conversarmos. Sem lhes dar ouvidos, acelerei o carro queimando os pneus no asfalto.
No caminho de volta para o trabalho, segurei meu choro e concentrei-me em como a noite poderia encher meus bolsos com boas gorjetas. Estacionei o carro na vaga para funcionários e entrei no bar, indo direto para o escritório do Roger. Entreguei meus documentos a ele e saí pegando meu avental e a bandeja sobre o balcão de bebidas.
O bar estava começando a ficar cheio, era final de semana e noite de show. Noites assim costumavam ser as melhores, nas quais apareciam caras bonitos e com boas gratificações por um bom atendimento. Porém, eu não estava no clima para sorrir e muito menos para relevar cantadas de mau gosto. Estava decepcionada e de coração partido. Como ele pode me trair? Eu dei a ele tudo que pude, entreguei-me de corpo e alma.
Estava na metade do meu expediente e não tinha dado muito conversa para meus colegas de trabalho, ou os da faculdade que apareceram. Permaneci quieta com uma dor enorme no peito, que me corroía por dentro. Tinha vontade de gritar e socar a cara daqueles dois traidores, mas não podia agir pela raiva. Eu tentava não me lembrar dos meus bons momentos com Finn, porque essas memórias queimavam meu cérebro. Nenhuma garota merecia ser traída ou magoada por um idiota que amou.
Logo o fim da noite chegou e eu estava com duzentos dólares no bolso do meu avental. Aquela sem dúvida, foi uma das melhores noites no Roger's. Depois de limpar as mesas e pôr o lixo para fora, entreguei a chave do carro para o Dick e o agradeci pelo empréstimo. Ele se ofereceu para me levar até a fraternidade e aceitei. Já passava das três da manhã e eu estava cansada demais para caminhar um quilômetro.
- Está tudo bem? - perguntou ele no caminho.
- Não - respondi com sinceridade, sentindo um bolo se formar em minha garganta e meus olhos arderem ao ficarem marejados.
- O que está pegando? - perguntou demonstrando preocupação em sua voz.
- Eu fui traída - revelei logo de uma vez.
Dick desacelerou o carro e olhou-me ao parar no sinal vermelho com uma cara de espanto.
- Está falando sério? - perguntou incrédulo.
- Estou. - Recostei minha cabeça no encosto do banco e fechei meus olhos segurando meu choro. - Mas eu não queria estar - sussurrei com honestidade.
- Nossa... Angel. Eu nem sei o que dizer.
- Tudo bem. Não precisa dizer nada.
- Eu sinto muito - disse ao estacionar o carro à frente da fraternidade.
- É, eu também. Obrigada pela carona, Dick. - Despedi-me dele com um beijo em seu rosto e desci do carro.
Ao entrar na casa, tudo estava escuro e em absoluto silêncio, entregando que todas dormiam, exceto uma, que entrou logo atrás de mim.
- Angel! - Skyler chamou-me alto ao passar pela porta.
- Uau! - exclamei ao vê-la usando um vestido brilhante e salto alto. - Onde estava? - perguntei curiosa.
- Com um cara - respondeu, rindo alto.
- Shhh... Vai acordar as meninas! - sussurrei.
- Foi mal - disse baixinho. - Eu bebi.
- Estou sentindo o cheiro - sussurrei de volta.
Skyler me abraçou e subimos juntas a escada. Seu quarto era de frente para o meu e, ao chegarmos lá, ajudei-a abrir a porta e a coloquei para dentro lhe dando boa-noite antes de sair. Parei diante da porta do meu quarto, sem nenhuma coragem de entrar. Tinha medo de que os dois ainda estivessem ali dentro.
- O que foi? - perguntou Skyler ao abrir a porta do seu quarto e ainda me ver ali.
- Posso dormir com você hoje? - pedi encarando a madeira branca à minha frente.
- Pode, mas é claro - permitiu.
Entramos para o seu quarto e sentei-me à beirada da sua cama larga de casal. Skyler dormia sozinha. Ela tinha condições suficientes para pagar o aluguel de um dormitório só para ela, sem ter que se sujeitar a dividi-lo com alguém.
- Vai falar o que aconteceu? - perguntou sentando-se na cadeira da mesa de estudos à minha frente.
Comecei a chorar feito uma criança perdida dos pais. Deixei as cenas do início daquela noite rolarem soltas por minha cabeça. Passei a noite toda as reprimindo e tentando ser forte, porque precisava trabalhar. Skyler ajoelhou-se à minha frente e segurou firme minhas mãos entre as suas.
- O que houve, Angel? É a sua mãe? - perguntou preocupada.
- Não - disse em meio ao choro, negando com a cabeça.
- O que foi, então? Está me assustando.
- Finn me traiu.
- Ele o quê? - perguntou alto e incrédula. - Quando e com quem?
- Não sei há quanto tempo acontece, mas descobri hoje quando os flagrei no meu quarto e em cima da minha cama.
- Aquele filho da puta te traiu com uma de nossas irmãs? - Era assim como ela referia-se às outras garotas da fraternidade. - Quem é a vadia? - perguntou irritada.
- É a Elena - respondi tão baixo, que saiu como um sussurro.
- A Elena? Mas como... - Ela fez uma pausa de segundos tentando compreender o que eu havia acabado de lhe contar. - Ah... mas eu mato aquela piranha! - disse entredentes, entregando o ódio evidente.
É... Eu também queria matá-la, mas sujar minhas mãos com aquilo não valeria a pena. Skyler abraçou-me e me consolou exercendo sua função de melhor amiga.
Dias depois voltei para casa e comecei a curtir minhas tão amadas férias de verão ao lado da minha família. As semanas foram passando e eu esquecia-me cada dia mais do cara que me magoou. Logo já era hora de voltar para faculdade e minha rotina árdua.
Mudei-me para o quarto da Skyler e mesmo ela se recusando, insisti em pagar a outra metade do aluguel. Elena começou a me evitar de todas as maneiras, mas, às vezes, era impossível não nos encontrarmos, já que morávamos na mesma casa. Finn tentou falar comigo algumas vezes, mas eu apenas o ignorei por completo. Foi difícil, mas consegui. Roger começou a fazer shows com mais frequência, o que era bom, porém, mais cansativo.
Nove meses se passaram e mais um ano letivo estava quase no fim. Já fazia um ano que Finn e eu havíamos terminado nosso namoro, mas há algumas semanas comecei a ter problemas com ele no bar, que exigia ser atendido por mim e dava seus ataques de ciúmes depois da quinta cerveja.
Houve uma noite em que ele estava muito bêbado e havia acabado de descobrir, através de uma maldita fofoca, que eu estava dormindo com um de seus professores. Não que isso fosse mentira ou algo escondido dele e de mais alguém, mas é que eu odiava fofocas, ainda mais quando iam parar nos ouvidos errados.
Finn sentiu-se no direito de exigir satisfações minhas e de bancar o valentão quando um velho babaca passou a mão em minha bunda e disse-me coisas nojentas. Eu já sabia como me resolver com clientes abusivos, mas meu ex-namorado idiota, não.
Da última vez, o velho abusou. Ele deu-me um forte tapa na bunda, que me fez sentir um ardor na pele e puxou-me pelo braço para o seu colo. Finn se lBradtou de onde estava e veio em nossa direção a passos largos e apressados. Ele agarrou meu antebraço com estupidez e tirou-me do colo do velho, empurrando-me para o lado.
Ele pegou o homem pela gola do colete de couro surrado e o pôs de pé acertando um soco em seu rosto enrugado, fazendo-o cambalear para trás e cair sobre a mesa derrubando as garrafas de cerveja sobre ela. Os homens que estavam com o velho lBradtaram-se e uma briga começou.
Logo Roger apareceu e Dick pulou o balcão vindo ajudar a separar a confusão. Socos e garrafas voaram por todo lado acertando até quem não estava na briga. Eu, de uma distância segura, gritava pedindo a Finn que parasse de socar o homem de idade, mas ele ignorou-me por completo.
Roger conseguiu conter a briga com um bastão de beisebol na mão e pôs todos para fora do bar. O velho e sua turma, juntamente com Finn e seus amigos igualmente bêbados a ele. Outra garçonete apareceu com panos e pás para limparmos a bagunça. Dick pegou um pano e abaixou-se ao meu lado ajudando-me a juntar os milhares de cacos de vidro espalhados no chão, enquanto eu limpava as bebidas derramadas e misturadas à comida pisoteada.
Desculpei-me com todos ali pelo ocorrido. Estava envergonhada e me sentindo extremamente culpada por estragar a noite de muitas pessoas e dos meus colegas de trabalho. Roger voltou para dentro e passou por mim pisando duro sobre o piso de madeira, que rangia no silêncio tenso.
- Essa já é terceira vez, Angel. Não haverá uma quarta! - alertou-me.
- Droga! - exclamei baixinho, vendo-o caminhar nervoso em direção ao seu escritório.